Caro ilustríssimo sr. Ministro,
Ouvi sobre a sua ignorância dos motivos de
nossa greve
nacional, e me senti compelido a esclarecê-lo (vício da
profissão de professor,
eu suponho). Peço desculpas se o meu português é ruim ou se a
sequência das
ideias é falha, mas esse é o meu valor. Se eu fosse mais capaz,
estaria em uma
profissão que me valorizasse mais. Seria ascensorista no Senado,
por exemplo
(ah, que sonho!). Como diria um vendedor de carros que eu
conheço, ”quem mandou
estudar, agora aguente”.
Falo de boca cheia, o sr. diria. Argumentaria
que recebo
muito mais do que a grande maioria da população brasileira, e eu
lhe
responderia que são poucos os cargos federais que pagam menos do
que o
magistério, que existem cargos de nível médio no executivo
federal que pagam melhor do que os professores doutores recebem.
E que o professor é
importante para o crescimento da nação (aprendi isso no debate
da Dilma
candidata - pareceu que ela realmente dá muito valor ao
magistério. Votei
nela).
Mas magistério é um sacerdócio, não é mesmo?
É uma profissão
feita de abnegação. O que mais explicaria um médico desistir de
clinicar para
receber o salário de professor federal? Bom, talvez se ele fosse
um médico
excepcionalmente ruim, daí o salário de professor federal
compensasse. Então
ele poderia ser um bom professor.
O grande motivo da nossa greve, sr. Ministro,
é a busca por
valorização profissional. Tenho vários colegas professores cujo
sonho de
vida, hoje, é passarem em concurso para o MCT, ou para o
Judiciário, e eu, quem sou eu? Para mim, economicamente falando,
me bastaria o
emprego de ascensorista no Senado.
O sr. tem filhos, sr. Ministro? Netos,
talvez? Almeja uma
educação com qualidade para eles? O sr. sonha com uma sociedade
educada? Culta?
Sonha com o Brasil se destacando no mundo como o Japão fez
depois da Segunda
Guerra? Como a Coréia hoje?
O sr. sabe quais são as minhas condições de
trabalho, sr.
Ministro? Sabe que eu sequer tenho uma mesa para colocar a minha
pasta quando
eu entro para dar aulas? Sabe que eu, há dois anos, comprei um
projetor para
dar aulas? Que nós rasgamos as calças ao sentar nas carteiras,
por causa dos
pregos? Que o computador pessoal que eu uso para dar aulas
também saiu do
salário que deveria ir para a minha família? Sabe que na minha
universidade não
existe nenhuma calçada para as pessoas andarem?
O sr. imagina qual é a situação dos
laboratórios dos cursos
em que eu ministro aulas, que são cursos tradicionais,
reconhecidos
nacionalmente, e que não foram contemplados pelo Reuni? É, são
ruins. Não são
péssimos, sabe o por quê? Porque os professores, por mérito
pessoal e muito
trabalho, trazem recursos de pesquisa para dentro dos
laboratórios (caramba,
isso é desvio de recursos! Dá cadeia?).
O sr. sabe, é claro, que o perfil desejável
do Professor
Universitário Federal é que ele seja doutor, com dedicação
exclusiva (é
impedido de fazer bicos para completar o salário), pesquisador,
orientador e
extensionista, e que além das aulas de graduação, forme Mestres
e Doutores.
Qual é o perfil do profissional que o sr. precisa para executar
essa missão? Eu
lhe digo. Esse profissional, economicamente falando, é alguém
que não teve a
competência para achar nada melhor para fazer com a sua vida. É
alguém que não
foi capaz de passar em um concurso para ascensorista do Senado.
É alguém que
não conseguiu ser agente de saúde quando terminou o segundo
grau, por exemplo.
Sim, eu “tenho” carro e eu “tenho” casa. Eu
me alimento bem.
Meu carro é velho (tem seis anos) e ainda vou demorar dois anos
para acabar de
pagar. Minha casa é velha também e eu ainda vou levar treze anos
para pagar.
Essas dívidas consomem quase 50% da minha renda familiar. Tenho
que pensar
antes de decidir sair para almoçar em um restaurante. E o
pequeno detalhe é que
tanto eu como a minha esposa somos professores universitários
federais e
doutores com dedicação exclusiva. Topo da carreira.
Bom, mas eu tenho uma perspectiva, não é? De
progredir na
carreira e melhorar meu salário? Perspectiva? não, não tenho.
Não vejo nenhum futuro
promissor. Essa carreira que o governo me oferece não irá
melhorar a minha
vida, a não ser um pouco, no momento mágico da progressão em que
eu me tornar
professor associado, ou com a utopia de passar pra professor
titular (a minha
universidade não tem nenhum. Teve uma vez, nos meus 22 anos de
funcionalismo
federal em universidades, que eu conheci pessoalmente um
Titular. Deve ser mais fácil
achar um jacaré no Tietê).
Eu espero, apesar das minhas deficiências,
que o sr. tenha
entendido um pouco do porque eu
e 45
universidades federais brasileiras estamos em greve. Desculpe-me
se eu não
posso elaborar mais, mas tenho um relatório de pesquisa para
terminar e alunos
de doutorado para atender, apesar da greve. Se eu achar tempo,
também preciso
ver se abriu vaga para ascensorista.
Um grande abraço, sr. Ministro, e obrigado
por tudo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário